O presídio do Carandiru é (foi) um lugar digno de habitar o imaginário brasileiro, pois, mesmo demolido há bastante tempo, os fantasmas de seus ex-moradores falam, e este, com certeza, é um livro através do qual eles falam. Nada de mediúnico gente, aliás, frise-se, não acredito em fantasmas! Mas, um local que assistiu a tantos horrores, não fica incólume e parte do dia-a-dia desse tenebroso presídio e o ápice do horror visto e vivido no interior daquelas paredes grossas, é narrado pelo médico Drauzio Varella nesta obra que ganhou o prêmio Jabuti e vendeu milhares de exemplares.
O livro conta a história da Casa de Detenção de São Paulo, mais conhecida como Carandiru, onde cerca de 8 mil presos viviam em celas que tinham conforto de acordo com a condição financeira de cada um. Aqueles que tinham mais dinheiro tinham celas próprias, com TV, cama, geladeira... aqueles que não tinham se amontoavam atrás das grades das minúsculas celas imundas e ai, enquanto você lê essas descrições, parece sentir o cheiro da sujeira.
A Casa de Detenção - Imagem: Google |
Achei interessante a forma como o autor, que trabalhou no presídio como médico, conta a história. Na verdade, são várias histórias. Conhecemos vários dos presos e das suas histórias de vida, seus crimes, suas dores.
As celas: nojento, não? |
A crueldade está sempre presente, por parte dos presos, mas também por parte da polícia.
O livro narra, também, os terríveis acontecimentos do dia 02 de outubro de 1992, dia que ficou conhecido pelo Massacre do Carandiru, uma discussão entre dois detentos se torna uma briga, não demora para que outros detentos se envolvam e um tumulto generalizado tem início. O Batalhão é comunicado de que está havendo uma rebelião no Pavilhão 9, que, a esta altura está dominado pelos detentos que querem um acerto de contas entre eles. Não há reféns. Não há reivindicações.
Sob o coando do Cel. Ubiratan a tropa de Choque Invade o presídio. De acordo com a denúncia do MP, quando viram a chegada da tropa de choque, os presos, em sinal de que não iriam resistir, começaram a jogar seus estiletes e facas, havia até faixas nas janelas pedindo trégua, mas os soldados do batalhão invadem o Pavilhão 9 e numa ação que se estendeu das 16:30h até as 18:30h, posta em prática por ordem do Cel. Ubiratan, 300 policiais, sem insígnias ou crachás de identificação, com a ajuda de cachorros treinados, retomaram o local e deixaram um rastro de 111 mortos.
Alguns dos mortos... imagens do Google |
Alguns números da operação. Foram 111 mortos, sendo que em 103 deles contaram-se 515 tiros, os demais morreram vítimas de ferimentos causados por instrumentos cortantes, 153 feridos, dos quais 130 eram detentos e 23 policiais.
É verdade que ali havia bandidos de toda espécie, mas, em nosso país não há pena de morte, portanto, por piores que fossem os crimes cometidos, a sentença deles deveria ter sido cumprida em conformidade com a lei. Isso não é justiça... e a injustiça que se faz a um é a ameaça que se faz a todos!
Depois de tudo isso, o Carandiru acabou desativado. Por algum tempo, era possível conhecer os prédios vazios, e uma amiga minha visitou o lugar, mas me disse que o ambiente era pesado... os prédios foram demolidos em 2002, mas, os mortos ainda gritam...
Só para terminar a história uma pequena ironia... o Cel. Ubiratan se candidatou a algum cargo público e, coincidência ou não, o número da legenda dele terminava com 111.
Dica de leitura, apesar de pesada e de apertar o coração.
Ah... já ia me esquecendo... o livro virou filme!!!
Capa do filme |
Beijos e boa leitura.
Fefa Rodrigues
Um comentário:
Li o livro e assisti o filme.
Ambos são bem diferentes, uma verdadeira transposição de linguagens. Agora, achei o livro mais informativo que literário. Não é um defeito, mas uma contestação. O filme me decepcionou, mas o livro não.
Abraço!
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