sexta-feira, 19 de julho de 2019

O peixe e o menino



Para o Léo,



Toda semana a cena se repetia. Enquanto os meninos vestindo chuteiras e com a bola de futebol nas mãos disputavam espaço no campinho de terra do bairro, ele caminhava os poucos quilômetros até o rio que cortava a cidade. Ali, entre os homens muitos anos mais velhos, com suas barrigas estufadas pela cerveja e pelo pouco que fazer, abria a maleta de onde tirava vara, linha e anzol. Tudo preparado com diligente cuidado, arremessava a isca o mais longe que seus braços finos conseguiam, então, fincava a vara no chão de terra vermelha, sentava-se na relva e se punha a esperar.

Sonhador, mantinha um olho na vara e o outro na água azul esverdeada que ondulava preguiçosamente à sua frente, certo de que queria apenas estar ali acompanhado pelo silêncio da margem do rio. 

O garoto, já conhecido dos frequentadores do rio, todo sábado lá estava, com sua vara e os anzóis bem cuidados e o punhado de iscas e, mesmo consciente de que os frequentadores do rio o viam com certa estranheza, não se importava. Assim ficava até que o sol deslizasse pelo céu e o dia chegasse ao fim, então, recolhia suas coisas e ia embora, sempre de mãos vazias. Nunca havia pescado um lambari sequer, ainda assim, toda semana ele voltava persistente e disciplinado.

Naquele sábado ele repetiu o ritual, preparou vara e anzol e lançou a isca, mas antes mesmo de sentar-se na relva algo despertou sua atenção, a placidez do rio havia sido interrompida quando, há alguns metros de seu lugar de sempre, ele viu um movimento difuso, uma sombra dourada que veio até a superfície por alguns instantes e submergiu novamente. Ansioso, o menino recolheu a linha com urgência, selecionou sua iscar mais gorda e suculenta e a lançou em direção ao local onde tinha avistado a criatura dourada. Poucos minutos depois sentiu a fisgada, primeiro leve, depois com mais força fazendo a vara entortar e estremecer em suas mãos. 

Os homens que estavam próximos perceberam a agitação e se achegaram, não demorou para que o esforço do menino chamasse a atenção de mais gente que vinha se aproximando em busca de algo com que se entreter no tédio daquela manhã quente e sonolenta.

Logo a luta ferrenha entre o menino e o peixe atraiu expectadores, uma pequena multidão se formou ao seu redor e não demorou a que a torcida se dividisse. Gritos de “dá mais linha”, “não deixa descansar”, “a linha vai arrebentar”, “não tem chance” enchiam o ar enquanto o menino continuava puxando, usando toda sua força na tentativa de recolher a linha o mais rápido que seu molinete permitisse. O suor brotava de sua testa e escorria por seu rosto tingido de vermelho pela emoção, o coração batia acelerado, os braços doloridos pela luta de vida e morte. Nunca havia se esforçado tanto, não queria perder diante dos olhos de todos aqueles homens, desejava mais do que tudo pegar aquele peixe grande e gordo que levaria para casa onde sua mãe poderia transformá-lo no almoço de domingo. Já imaginava o orgulho do pai contando para todos sobre o peixe enorme que ele havia pescado. 

A batalha durou longos minutos até que o menino num tranco, conseguiu arrastar o peixe para fora da água e trazê-lo até seus pés sagrando-se. Os homens ao seu redor comemoravam gritando e batendo palmas, dando tapas leves em seu ombro e em sua cabeça, como se a vitória fosse de cada um deles também.

O menino, alheio a todo aquele alvoroço, tomou o peixe em suas mãos, sentiu seu peso e sua dificuldade para respirar, olhou para aquele ser magnífico, impetuoso e forte, cujas escamas eram douradas como o sol. Hesitou por um instante. Mas, num ímpeto, antes que os demais se dessem conta, abaixou-se e o devolveu ao rio. O bicho mergulhou rapidamente se afastando para a segurança da escuridão.

Os homens, boquiabertos, não podiam acreditar que o menino tinha libertado o peixe e quando um deles lhe perguntou a razão daquilo ele simplesmente deu de ombros e justificou “Ele era tão bonito... parecia uma criatura mágica” e assim, sob olhares incrédulos, o garoto juntou suas coisas e foi para casa.

Desde então, não voltou a pescar. 



- Fernanda Rodrigues -








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